sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ESQUECER SIGNIFICADOS E LEMBRAR POSSIBILIDADES - POR ELIENAI JR.




De longe já dava para vê-lo sentado ao poço. Preferia que não estivesse lá, como nos outros dias. Venho aprendendo a escolher lugares e horas que me ajudem a ficar só. Aquele poço e sua distância de tudo e todos, aquela hora e seu sol a pino traziam menos desgaste que esbarrar naqueles, quaisquer que fossem, cujos olhares espelhassem o pior de mim.

A aproximação acrescentou um dissabor, não bastasse alguém atrapalhar minha solidão, agora ficava evidente que o homem perto do poço era um judeu. Os babados da sua roupa de bom judeu anunciavam um daqueles que se crêem puros a despeito de nossa impureza. Nada é mais opressor que se enxergar tão estranha e detestável nos olhos de quem quer que seja.

Ao poço, o inusitado mostrou a face. Antes que pudesse deixar nítida minha pressa e indiferença, pediu-me água. Eu sei que a cortesia mínima não rejeita água sequer ao inimigo, mas não soube disfarçar minha amargura. Neguei-lhe e lembrei-lhe o óbvio, era homem e eu, mulher; era judeu e eu, samaritana. Fronteiras fortes o suficiente para que nem a mais sofrida angústia licenciasse o encontro. Nenhum preconceito é tão cruel que não possa servir a uma doentia e útil comodidade.

Ainda assim não me livrei do peregrino. Insistiu, apesar da cara de fadiga e dos lábios ressecados, e advertiu-me de estar desperdiçando uma grande chance. Falou-me da água de um jeito estranho. Não tive certeza se tentava me propor um enigma, como fazem os mestres e profetas, ou se de fato conhecia alguma água com poderes mágicos. Mas ofereceu uma água viva que resolveria a sede de uma vez por todas. Fiquei confusa. Não estou acostumada a esses devaneios, coisas de poetas e profetas, ou insanos. Sempre ali, icei baldes de água que, além de mal saciar minha sede, traziam o enfado de um serviço que nunca finda. Aos meus olhos, balde é balde, água é água, e gente nunca faz muito mais que trazer transtornos.

E mesmo depois de interromper o palavrório mostrando o absurdo de oferecer qualquer que fosse a água sem ter ao menos um balde, continuou a falar de tudo como se nada pudesse ser apenas o que sempre foi. Parecia falar de nada que já antes ouvi, como se tudo pudesse ter outra versão.

E falava como se fosse maior que aquele que cavara o poço, Jacó, nosso pai.

Falava como se palavras cavassem poços e baldeassem saciedade.

Talvez um poeta deslumbrado.

Sendo assim, aceitei a proposta da água viva e entrei na brincadeira. Dei ainda um certo tom de seriedade: ‘apenas para não ter mais o trabalho de ir ao poço’. Um silêncio e de novo aquele olhar insano de quem vê através das coisas e engendra o surpreendente. Eu, que queria não voltar ao poço de água, fui convidada por ele a voltar à origem da minha sede. Mandou-me buscar o marido, esse tipo de gente que primeiro abandona a imaginação, para depois abandonar a esperança e o amor.

A brincadeira perdeu a graça. A guinada da água para o coração causou-me vertigens. Lacônica, disse-lhe não ter marido. E não é que sequer esboçou surpresa? Nem um tom escrupuloso. Sabia de todos os maridos que tive e daquele que me toca, mas não me abraça. Senti meu rosto como um livro que se desenrola diante de um leitor. Seria eu tão evidente? Ou ele, um leitor habilidoso de gestos e olhares? Quem?

Poeta, sim. Louco? Com certeza e daqueles que a gente, atordoada, chama de profeta.

Alguém com versões tão diferentes do que a vida toda ouvi. Que fala estranhamente de tudo, mas com tanta graça. Que transfigura o óbvio e enxerga o avesso do que sempre me enfadou. E, sem pá, explora profundidades e, sem balde, baldeia com as palavras novos sentidos e embebe a vida de significados vários. Alguém assim pode me falar de Deus também com surpresa. Salvou-me da culpa de não ser amada, quem sabe salvará o divino do meu tédio?

Fala de Deus, poeta. Baldeia também o divino de outro poço, profeta. Porque tal como esta água, o que de Deus eu sei me angustia mais que sacia. Os samaritanos falam de um que é mais Deus em nosso templo que naquele de Jerusalém. Deus é só isso? Dos judeus ou dos samaritanos? De Jerusalém ou de Gerisim? Do templo que não me quer, ou que não me cabe? Dos homens e suas vaidades másculas e truculentas? Reiventa, poeta. Redescreve, profeta.

Bem naquela hora, uma brisa boa refrescou nossos rostos e a conversa, já tão tensa e grave. Ele, por um instante, pareceu esperar pelo sopro como um cantor aguarda o acorde da harpa. Como um poeta espera a metáfora que libertará a imaginação. Chamou o divino de vento. Desse que sopra selvagem e solto no deserto; desejado, mas indômito. Para além de qualquer estrutura, imprevisível, tão livre que apenas os que também anseiam pela liberdade podem encontrá-lo. Disse que Deus é vento e procura por quem, ao adorá-lo, também vai além dos edifícios e suas rígidas estruturas, tal qual o indomável e inventivo vento, e só assim o encontra de verdade.

Porque a verdade nunca é o que já se disse, mas o que está por dizer.

A verdade nunca é o que a brisa já deixou desenhado na areia, mas o vento que sempre está por soprar e redesenhar o chão de nossa existência.

Então? Vocês não querem vir e ouvi-lo? Ele (re)contou tudo o que tenho feito. Acho que é o Messias. Certamente não o que esperávamos. Mas o Messias. E eu, nossa! Esqueci meu cântaro lá, de tão lembrada que estou de tudo o que ainda posso ser.

fonte: Blog do Elienai Jr.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

TRÊS LIÇÕES DE NATAL - POR PAULO CILAS


Me lembro das muitas representações feitas na igreja sobre o nascimento de Jesus e como elas nos inspiravam. Tinham uma certa magia, principalmente em mim, quando criança. Tenho certeza que tais peças teatrais serviram para sedimentar a fé e criaram bons sentimentos “entranháveis”. Sempre soubemos que Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro, contudo, as boas lembranças que a data sugere já são boas por si só. Independente de sua origem.

Mas, de uns tempos para cá, muitas igrejas em nome de uma espiritualidade, no mínimo esquisita, começaram a odiar tal data e a desprezá-la por completo, e ao desprezá-la por completo também o fizeram com todos os bons sentimentos.

A primeira lição é que para Deus, creio eu, as datas pouco importam. Calendários romanos, gregos, judaicos pouco, ou nada, fazem diferença. Agora, religiosidade excessiva, sentimentos arrancados, brigas por quem é mais espiritual, quem está mais certo, são tão vazias quanto uma mesa para ceia de natal tão somente adornadas de luxo, de talheres sobrepostos em perfeição, presentes e roupas extravagantes, mas desprovida da verdadeira fraternidade. Tudo é exatamente igual, um e outro, frio, distante e sem graça.

A segunda lição, aprendo com Maria. Já há muito tempo descobri isto: Enquanto no meio evangélico a figura de Maria é depreciada (por causa do mito criado por outro grupo), o aprendizado que vem dela acaba sendo jogado fora também. Quando da anunciação de sua gravidez, ela se quebranta, se humilha, “meu espírito se alegra em Deus, MEU SALVADOR” atentou-se para a “pequenez de sua serva”. Hoje, ou melhor, sempre, mas hoje mais do nunca, o que vemos é um exército dito de Cristo, apregoando vitória, conquistas, domínios, reconhecimento, mas não tendo nada da humildade de Maria. O que já disse em outro tempo, e escrevi: muitos se portando com vaidade e talvez a pior delas: a vaidade espiritual, parecem ter o rei na barriga. Maria se humilha, tendo o Rei na barriga.

Terceira lição: Por muito tempo ouvia falar que Maria, José e Jesus também, eram rejeitados nas hospedarias, depois percebi que não. Eles não eram rejeitados, simplesmente não havia lugar. As muitas tarefas, as muitas vontades, os muitos egoísmos, os muitos interesses, os muitos sonhos e desejos pessoais, estão ocupando lugar que deveria ser para Jesus. A maioria de nós não ousa dizer que rejeita, mas talvez coloquemos em prática a pior das rejeições: não há lugar. Temos que tirar muitas coisas para dar lugar a Jesus, mas não queremos perder nenhuma dessas coisas, e, se possível, queremos ainda usar Jesus, para dar respaldo as coisas que não queremos largar. Dada a sua missão - vir ao mundo para nos reconciliar com Deus, e a forma como fez isso - esvaziou-se a si mesmo tornando-se homem - faz o fato de não haver lugar a mais sórdida das rejeições, pois não temos lugar para quem deu tudo.

Espero eu mesmo aprender com essas três lições. Feliz Natal! Seja dezembro, abril, e em qualquer calendário.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

TRECHO DE O CAMINHO DE JESUS E OS ATALHOS DA IGREJA - EUGENE PETERSON

"Nas três grandes recusas (na tentação no deserto), o que Jesus está declinando é fazer coisas boas da maneira errada. Cada tentação vem embrulhada com algo bom: alimentar muitas pessoas, evangelizar por meio do milagre, governar o mundo com justiça. A estratégia de tentação do Diabo é impessoalizar os caminhos de Jesus, deixando o próprio caminho, no entanto, intacto. É a mesma estratégia que usa conosco. Mas o caminho impessoalizado, executado sem amor, intimidade ou participação, não importa quão bem o executemos, não importa quanto bem seja realizado, não é caminho de Jesus. Não podemos fazer a obra do Senhor seguindo os caminhos propostos pelo Diabo. O Diabo tem grandes idéias – idéias brilhantes! O Diabo é um visionário por excelência, mas é incapaz de se encarnar. Ele usa as pessoas para corporificar seus projetos em relacionamentos funcionais e não pessoais. O Diabo é o campeão da desencarnação. Toda vez que abraçamos caminhos que não os de Jesus, tentando manipular as pessoas ou os acontecimentos de maneiras que impedem o progresso dos relacionamentos e das intimidades, estamos fazendo a obra do Diabo. É necessário vigiar. Foi sempre necessário. É ainda necessário no Ocidente como um todo e em nosso país especificamente, onde viceja a epidemia do fazer boas obras utilizando caminhos impessoais."

sábado, 3 de dezembro de 2011

PROCURA-SE VELHOS SOLDADOS - POR CHARLES H. SPURGEON




A igreja necessita grandemente de cristãos maduros, e especialmente quando há muitos novos convertidos sendo acrescentados a ela. Novos convertidos fornecem ímpeto à igreja, mas a sua espinha dorsal e a sua substância devem, sob Deus, repousar sobre os membros mais maduros.

Nós queremos os cristãos maduros no exército de Cristo fazendo o papel de veteranos, inspirando os demais com frieza, coragem e firmeza; porque se o exército inteiro for composto de recrutas inexperientes a tendência será que eles hesitem quando o assalto for mais feroz que o habitual.

A velha guarda, os homens que respiraram fumaça e comeram fogo anteriormente, não tremem quando a batalha se enfurece como uma tempestade. Eles podem até morrer, mas jamais se rendem. Quando eles ouvem o grito de "Avante," eles podem não avançar tão agilmente à frente como os soldados mais jovens, mas eles arrastam a artilharia pesada, e o seu avanço uma vez conquistado, é seguro. Eles não vacilam quando os tiros voam intensamente, porque eles se lembram de antigas batalhas em que Jeová cobriu suas cabeças. A igreja precisa, nestes dias de fragilidade e falta de compromisso, de crentes mais decididos, profundos, bem-instruídos e confirmados.

Nós somos assaltados por todo tipo de doutrinas novas. A velha fé é atacada por assim-chamados “reformadores” que adorariam reformá-la completamente. Eu espero ouvir notícias de alguma doutrina nova uma vez por semana. Tão freqüentemente como a lua muda, um ou outro profeta é movido a propor alguma nova teoria, e acreditem, ele lutará mais bravamente por sua novidade do que jamais fez pelo Evangelho. O descobridor se acha um Lutero moderno, e da sua doutrina ele pensa como Davi pensou da espada de Golias: "Não há outra semelhante."

Como Martinho Lutero disse de alguns nos seus dias, estes inventores de novas doutrinas encaram suas descobertas como uma vaca diante de um portão novo, como se não houvesse nada mais no mundo para se encarar. Eles esperam que todos nós fiquemos loucos por seus modismos e marchemos de acordo com o seu apito. Ao que nós damos ouvidos? Não, nem por uma hora.

Eles podem reunir uma tropa de recrutas inexperientes e conduzirem-nos para onde quiserem, mas para crentes confirmados eles soam suas cornetas em vão. Crianças correm atrás de qualquer brinquedo novo; em qualquer pequena apresentação de rua os garotos ficam todos excitados, boquiabertos; mas os seus pais têm trabalho por fazer, e suas mães têm outros assuntos em casa; aquele tambor e aquele apito não vão atraí-los.

Pela solidez da igreja, pela firmeza da fé, por sua defesa contra os recursivos ataques de hereges e infiéis, e pelo avanço permanente dela e a conquista de novas províncias para Cristo, nós não queremos apenas seu sangue jovem, quente, o qual esperamos que Deus sempre nos envie pois é de imensa utilidade e não poderíamos ficar sem. Mas nós também precisamos dos corações frios, firmes, bem-disciplinados e profundamente experimentados de homens que conhecem por experiência a verdade de Deus, e atém-se firmemente ao que aprenderam na escola de Cristo.

Que o Senhor nosso Deus nos envie muitos desses. Eles são extremamente necessários.

Uma esquerda religiosa e sem esperança - Filipe Samuel Nunes em Gospelprime

As pilhagens e o gosto pela violência que atravessa os Estados Unidos têm surpreendido o mundo. Alguns argumentarão que o problema racial é...